27 julho 2012

Aprender a Ver

 Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o fato pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objetividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence.


Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"

30 maio 2012

Mini Xale Maria Cecília

Cachecóis de Nina Renata

Bolo de Cenoura "Ivana Maria"

Como nunca acertei fazer um bolo de cenoura, resolvi criar minha própria receita.

O nome "Ivana Maria" é uma brincadeira/homenagem às mulheres que criam receitas - sejam elas de culinária, trico/croche, artesanato... -  sempre observei que muitas batizam suas criações com seus nomes: "... Maria"
Receita:
4 ovos
2 xícaras de açucar
1 colher de manteiga
2 cenouras grandes em cubinhos (crua)
3 xícaras de farinha de trigo com fermento
1/2 xícara de maizena
No liquidificador, bater os ovos, o açucar, as cenouras e a manteiga. Passei para uma tigela essa mistura e acrescentei a farinha e a maizena. Misturar até obter uma massa homogenea.   

Se tiver uma batedeira...melhor ainda  kkkkkkkkkkkkk

Untar uma assadeira com manteiga e farinha e levar ao forno médio, pré aquecido.

Ficou SHOW DE BOLA!!!

27 maio 2012

O Meu Nirvana

No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero,
Encontrei, afina, o meu Nirvana!

Nessa manumissão schopenhaueriana,

Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora

Do tato – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéias –

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,

De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéia
Augusto dos Anjos

20 maio 2012

Amor Desmistificado


O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos comicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus atos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o genio da espécie e os seus interesses superiores. Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objetivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.

Arthur Schopenhauer, in 'Metafísica do Amor'

16 maio 2012

Não Ser

Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

Orientar Filosoficamente a Vida

  A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer? 

O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituível de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distração das horas de ócio. Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irrefletidas trivialidades e rotinas fixas. 

Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças. 

Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar. 

São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da ação, do colóquio ou do silêncio.

Karl Jaspers, in 'Iniciação Filosófica'

11 maio 2012

Revolução

Pena que as revoluções
não as façam os tiranos
se fariam bem em ordem
durariam menos anos

liberdade sairia
como verba de orçamento
e se houvesse qualquer saldo
se inventava suplemento

pagamento em dia certo
daria para isto aquilo
o que sobrasse guardado
de todo o assalto a silo

mas o que falta aos tiranos
é só imaginação
e o jeito na circunstância
é mesmo a revolução.

Agostinho da Silva, in 'Poemas'

07 maio 2012

Falta Pouco

Falta pouco para acabar
o uso desta mesa pela manhã
o hábito de chegar à janela da esquerda
aberta sobre enxugadores de roupa.
Falta pouco para acabar
a própria obrigação de roupa
a obrigação de fazer barba
a consulta a dicionários
a conversa com amigos pelo telefone.

Falta pouco
para acabar o recebimento de cartas
as sempre adiadas respostas
o pagamento de impostos ao país, à cidade
as novidades sangrentas do mundo
a música dos intervalos.

Falta pouco para o mundo acabar
sem explosão
sem outro ruído
além do que escapa da garganta com falta de ar.

Agora que ele estava principiando
a confessar
na bruma seu semblante e melodia.

Carlos Drummond de Andrade, in 'A Falta que Ama'